A porta e o menino

Havia um menino. Também havia uma porta. A relação entre os dois era complicada. A porta fascinava o menino, mas isso não ocorria de uma maneira exclusivamente boa.

Atrás da porta, escondiam-se, talvez, muitas maravilhas. Por isso, o menino desejava muito abri-la. No entanto, quem sabe a porta ocultasse muitos perigos. Isso fazia com que o menino a temesse. De qualquer forma, a porta significava uma mudança brusca, repentina. Uma ruptura. O que aconteceria se ela fosse aberta? O que o menino veria por lá?

As dúvidas martelavam os pensamentos dele, não o deixavam sossegado. Oprimiam-no. Era uma porta tão bela e misteriosa, digna de canções a serem entoadas por menestréis. A maneira como o menino acabou por topar com ela se deu de forma quase acidental, enquanto ele brincava em um bosque, não muito longe de onde morava, mas um pouco afastado das construções da cidade. Era seu lugar preferido para brincar, mas não apenas isso; era para ele um santuário, um lugar secreto para onde ele ia a fim de afastar-se das outras pessoas, quando queria ficar sozinho, ou quando desejava inventar suas próprias e íntimas brincadeiras. A bem da verdade, o bosque não era realmente secreto, já que todas as pessoas da cidade sabiam que ele existia, mas ninguém ia com frequência para lá. Ou melhor, nunca ninguém ia lá, o que justifica o pensamento do menino de que aquele lugar sagrado era só dele.

Certa vez, o menino passara muitas horas do seu dia brincando por ali, o que o levou ao descobrimento da porta em questão. Para encontrá-la, era preciso adentrar fundo no bosque, atravessar um riacho, seguir andando por alguns longos minutos, até que se avistasse um carvalho imenso no caminho. Perto dele, notava-se uma grande elevação de pedras, que na verdade era uma escada, o que o menino descobriu pela forma que as rochas se dispunham. Na realidade, poucas pessoas poderiam imaginar que aquilo se tratava mesmo de uma escada, já que, na aparência, estava mais para um punhado de grandes pedras que formavam um monte. Então, pode-se pensar que a imaginação do menino foi o que o levou a pensar naquilo como uma grande escada, mas se tratava de mais do que isso. Estava mais para um dom especial de enxergar a verdade nas coisas, finalidade para a qual os olhos, por conta própria, não são suficientes. De qualquer maneira, o menino conseguiu  enxergar a escada, e galgou-a, até atingir o topo.

Lá em cima, achava-se uma enorme parede côncava, semelhante a uma gruta. Pensando bem, devia ser mesmo uma gruta, pensou o menino, porque não era possível que aquele lugar estivesse li por acaso. Também era uma parede muito curiosa pelo seu formato, pelo seu jeito. Não era uma parede comum, de forma alguma. O menino ainda não sabia disso, mas este era o local onde se encontrava a porta. Bem no centro da gruta, em direção ao fundo da concavidade, onde a parede se tornava mais vertical e reta, e também mais lisa e regular. Novamente, a porta não era algo com o qual qualquer um se deparasse e enxergasse, mesmo que já houvesse passado pelos degraus. A maioria das pessoas teria visto aquele lugar apenas como um abrigo para se proteger de uma chuva forte, ou talvez nem ao menos o vissem dessa forma, mas apenas como um lugar esquisito de pedra, sem saídas. "Melhor voltar, não há nada por aqui", pensariam.

Mas o menino não pensava dessa forma. Ele era diferente, via as coisas de outra forma. Muitos atribuíam isso à sua imaginação, que julgavam ser apenas fantasiosa, acusavam-no de viver nas nuvens. Não que fosse uma acusação grave, aliás, o menino adoraria poder mesmo viver nas nuvens. Quem sabe algum dia.  Porém, o importante é que se saiba que não se tratava apenas de imaginação e fantasia. Alguma coisa guiava aquele menino, alguma coisa que ele não compreendia. Ou melhor, nem ao menos tinha consciência dela. E ele seguia essa "alguma coisa", sem saber ao menos que seguia algo, apenas obedecia sua curiosidade, por assim dizer. E assim, ele notou, com sua visão especial, que aquele era um lugar estranho, ainda que belo, e um lugar ainda mais secreto que o bosque. Quer dizer, este bem poderia ser realmente um lugar secreto. O fato é que notou a estranheza do lugar.

Ao fazê-lo, avistou a porta. Não foi como se tivesse visto alguma coisa muito bem escondida, muito bem disfarçada, ou então como se houvesse olhado para um canto ainda não perscrutado por seus olhos. Não. Foi como se ela tivesse aparecido ali de repente. Pois ela era uma porta realmente grande, bem alta e larga. E tinha muitos sinais incrustados em sua superfície, sinais desconhecidos pelo menino. Era feita de um material diferente de tudo o que ele, ou qualquer pessoa no mundo, já houvesse visto. Não se podia dizer se era de madeira, pedra ou metal. Talvez de todas essas coisas, e, ao mesmo tempo, nenhuma. Parecia, também, ter um peso inestimável. O menino ficou parado, olhando-a, imaginando quanta força seria necessária para movê-la, e se alguém no mundo era capaz disso. Mais tarde, descobriu que a dúvida sobre a força necessária para tanto ia além da força física. Ele imaginava que tipo de força misteriosa poderia abri-la.

Não tentou fazê-lo. Faltou-lhe coragem, pois o menino passou a temê-la e adorá-la desde o primeiro momento em que a avistou. Mas também soube que conseguiria, se quisesse. Não conhecia a razão disso. Sabia, apenas. 


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