terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Sobre angústias, Huxley, Wilde e pessoas que partem logo que as encontramos

Tenho me questionado acerca das coisas que faço. Tipo ler, ouvir música, assistir filmes, estudar... Todas elas me parecem, agora, não fazer muito sentido além do prazer que me proporcionam.
Pergunto-me o quanto essas coisas contribuem de fato para me constituir enquanto um indivíduo pertencente a uma sociedade. Em outras palavras, o quanto essas atividades realmente importam.
Quer dizer, é certo que elas importam muito para mim. Elas me proporcionam experiências agradáveis, aumentam meu conhecimento, essas coisas. Mas e aí? Eu sinto como se eu não devolvesse nada para o mundo, retendo tudo apenas para mim. Isso me parece um tanto egoísta, e eu não me sinto bem com isso. Quer dizer, o mundo ao meu redor não existe apenas para eu saboreá-lo, não é? Ainda mais se eu apenas experimentá-lo e me sentir satisfeito com isso, sem uma retribuição.
Aí está o meu problema no momento: que tipo de retribuição eu posso dar para o mundo? Imagino que não preciso necessariamente retribuir oferecendo aquilo que eu recebo. Posso retribuir com algo que só eu posso dar. Mas eu não sei o que é isso. Opinião? Minha versão, minha interpretação sobre o que vejo, o que sinto, o que experiencio? Será que alguém realmente está interessado nisso? E fora isso, o que mais eu poderia oferecer? A verdade é que nunca fiz muitas coisas na vida além dessas que citei, então não sei do que sou capaz, não sei o que tenho a oferecer. E raramente eu me arrisco a fazer algo sobre o qual nada entenda. Eu acho que servir as outras pessoas com o próprio trabalho é uma grande responsabilidade, pois elas esperam que você cumpra bem o seu papel, então não me parece certo fazer algo, recebendo dinheiro em troca, que não tenho certeza se faço bem. Por outro lado, se eu não arrisco aprender algo novo, nunca farei nada, e então nunca poderei oferecer nada. O que me leva a identificar mais um aspecto egoísta: o não arriscar é, ao mesmo tempo, não colocar-se à disposição para auxiliar os outros no que for possível, na medida do que se pode fazer, ainda que a princípio seja pouco. O temor do fracasso pessoal é maior que a disposição de tentar fazer o que se pode. A preguiça, tenho de admitir, é outro fator importante nessa equação. Ao vislumbrar o esforço necessário para enfrentar uma situação desconhecida tendo a responsabilidade de dever beneficiar alguém, correndo o risco de prejudicá-lo caso o serviço seja mal feito, sinto-me inclinado a nem começar a tarefa, antevendo uma tragédia.
Mas todas essas coisas, é possível notar, são frutos de um defeito maior: a de pensar demais antes de fazer qualquer coisa. Se leio um livro e sinto vontade de escrever sobre ele para que outras pessoas leiam e possam decidir, através do que contei a elas, se elas gostariam da experiência de também lê-lo, detenho-me a pensar que não conseguirei me expressar bem e a ideia morre na praia, ao invés de simplesmente escrever e ir resolvendo os problemas que decorrerem da tentativa ao longo do processo, o que devia ser o natural. É assim com qualquer dos inúmeros projetos que me surgem à cabeça diariamente. Ler tantos livros por ano; escrever artigo sobre tal coisa; aprender determinada língua; e assim por diante. Esses projetos são vislumbrados, às vezes chego a fantasiar por algum tempo sobre eles, ver-me realizando-os, mas no momento seguinte eles jazem mortos e enterrados. Not gonna happen. Eles nem chegam a se tornar, na verdade, propriamente projetos, já que nunca deixam a seara da imaginação. Nem sequer uma anotação numa página em branco, para lembrar depois. Para terem a chance de amadurecer. Isto é algo que comecei a tentar mudar hoje, escrevendo ao menos sobre quantas páginas de livro li e que filme assisti ontem, junto a algumas poucas ideias que surgiram no processo. É um começo. Pode nunca passar disso, mas é melhor do que as outras tantas ideias que simplesmente não deixaram um rastro sequer.
Essas coisas já vêm me incomodando há um certo tempo, para não dizer desde sempre, mas isso tem se intensificado desde que iniciei, alguns dias atrás, a leitura de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Por enquanto, tenho conseguido manter um ritmo diário de no mínimo quarenta páginas de leitura. Estou agora na página 225, tendo lido nos últimos 4 ou 5 dias. Nada mal, eu diria. Ainda me parece muito pouco; gostaria de ler uma quantidade maior de páginas por dia, e de conseguir ler mais de um livro ao mesmo tempo sem perder o foco, sem desistir da leitura de nenhum deles. Ainda assim, é bom ver que me aproximo de finalizar a leitura de um romance inteiro, mesmo que não muito longo, em poucos dias. Faz tempo que não faço isso. Já havia perdido o hábito. Espero que mantendo esse costume eu consiga fazer isso com mais naturalidade, no dia-a-dia. Minha lista de leituras é longa e eu nem posso me permitir ter esperança de ler tudo o que tenho vontade, mas posso fazer muito mais do que tenho feito nos últimos tempos, disso não há dúvidas.

Mas o motivo de eu ter citado o livro de Huxley é pelo seu conteúdo. Tenho pensado muito sobre as ideias de coletividade e individualidade por ele apresentadas. O admirável mundo novo em questão é formado por uma sociedade em que as pessoas são projetadas para pertencer a uma determinada classe e cumprir uma determinada função, sem qualquer chance de modificar sua posição, mesmo que quisessem. Mas mesmo essa vontade tem pouquíssimas chances de existir, já que desde a forma embrionária os indivíduos são condicionados a se sentirem confortáveis apenas em sua casta, sentindo até mesmo repulsa pelos modos de vida das demais. Nesse admirável mundo novo, todas as pessoas são felizes e têm suas necessidades supridas, pois todas elas já estão previstas, não há dúvidas quanto ao futuro, e qualquer mínimo sentimento de angústia ou inadequação é amortecido com doses de soma.
É claro que não haveria livro se não houvesse alguém que desafiasse o status quo. Alguns personagens das castas superiores começam a desviar de seus caminhos predestinados e a ter ideias diferentes, como recusar-se a tomar soma ou desejar maior intimidade em suas relações interpessoais (quando a norma é que "cada um pertence a todos" e os relacionamentos sexuais - dizer "afetivos" seria um exagero - mantidos com apenas um único parceiro por um longo tempo são desencorajados). Começam a aflorar, portanto, individualidades em meio àquela coletividade fabricada. Isso me pôs a pensar. Por um lado, há uma sociedade que funciona maquinalmente, como um relógio, cada peça servindo a uma função, de modo que o todo funcione perfeitamente. As pessoas sentem que são livres e que agem de acordo com a própria vontade, mas mesmo suas vontades lhes foram condicionadas, portanto a liberdade inexiste, existindo somente uma aparência de verdade. De qualquer forma, as pessoas estão satisfeitas e não sentem a necessidade de uma mudança. Tudo vai bem, exceto para as pessoas que, por alguma razão (provavelmente uma falha em sua programação), decidem desviar-se do caminho a si imposto. Essas pessoas começam a demonstrar emoções (especialmente sofrimento, angústia), o que também não é encorajado; aliás, é passível de punição, pelo risco que apresentam de contaminar os outros com suas ideias e dúvidas. A manutenção da homogeneidade é a coisa mais importante para o funcionamento do admirável mundo novo. O lema é COMUNIDADE, IDENTIDADE E ESTABILIDADE.
O indivíduo é descartável se ele não serve à comunidade, se não cumpre sua função determinada, e ele pode ser facilmente substituído, já que um novo indivíduo pode ser produzido com suas mesmas características e habilidades. Portanto, sua vida não tem em si um valor muito alto, e mesmo as pessoas que lhe são próximas e poderiam sofrer a sua ausência não o farão: os comprimidos de soma apagarão a dor que houver, que mesmo assim é pouca, pois as relações nunca são íntimas o suficiente.
A identidade é dada desde a concepção, através de um mecanismo de predestinação. Portanto, ela é fixa, sem nenhuma mobilidade. Não há espaço para dúvidas, autoquestionamento, nem mesmo autoaperfeiçoamento, já que as pessoas são feitas para serem boas naquilo que estão determinadas a fazer, e elas já sabem o que é desde o início, não precisam descobrir.
A estabilidade é garantida pela plena satisfação de todos; e a satisfação é mesmo plena, já que não há possibilidade de alguém desejar aquilo que não pode ter. E o mais importante fator para essa satisfação é que, através do condicionamento, das lições de hipnopedia, cada indivíduo sente que é livre para viver como vive; suas escolhas parecem ter sido tomadas por sua própria vontade.
Assim, a expressão da individualidade é a coisa mais perigosa para a estabilidade de uma sociedade assim arquitetada; o menor desvio pode destruir todo o sistema, portanto qualquer estranheza, mesmo que aparentemente inofensiva, é punida seriamente e é até mesmo considerada herética. Quanto mais penso sobre essas coisas, mais esse mundo me parece não ser uma distopia, senão o próprio jeito como as coisas no mundo de fato são, apesar de ainda nascermos de nossas mães e termos parentes e amigos próximos.
A individualidade sempre foi muito importante para mim. Ter minhas próprias opiniões, manter um pensamento crítico, refletir sobre aquilo que percebo e experiencio e me expressar livre e espontaneamente, inclusive por meio o silêncio, sempre foram atitudes que procurei preservar. De modo que uma comunidade tão artificial, condicionada e predeterminada como a de Admirável Mundo Novo não me é muito atrativa. Ao mesmo tempo, não me parece completamente desprezível a ideia de uma comunidade funcionando como um órgão vivo em que cada indivíduo desempenha sua função de modo que o corpo se mantenha saudável. Uma comunidade em que as inclinações individuais não somente não se opõem, mas convergem para as necessidades do todo. Isso, na verdade, me parece uma ideia bastante bonita.
Desde que, é claro, a liberdade seja plena para que as pessoas sejam como e o que quiserem ser; na verdade, até mesmo sendo isso necessário para que o corpo seja de fato saudável, pois se uma célula abandona a si mesmo pelo bem dos demais, por belo que possa ser considerado o sacrifício (que não deveria ser tão romantizado, aliás), essa célula adoece, e assim o corpo todo sofre. É assim que vejo nossa sociedade. Afetada por um total desequilíbrio, ocasionado pela quase totalidade de suas células doentes, algumas infectadas pelo excesso de egocentrismo, outras por não preservarem nada de/para si.
Penso agora em A alma do homem sob o socialismo, ensaio de Oscar Wilde, e vejo que me refiro precisamente ao espírito do que o autor irlandês defende: uma sociedade que possibilite às pessoas seguirem suas inclinações sem o fardo de pensar em ter de lucrar ou mesmo apenas conseguir sobreviver. Excluídos fatores como esses últimos da equação, torna-se óbvio seguir aquilo que se é, e assim talvez seria possível existir equilíbrio e contentamento sem esforço algum. A competição, a luta pelo próprio espaço, a necessidade de vencer o outro para prosperar, são coisas como essas que dão origem a atitudes egoístas e mesquinhas.
Bem, não que eu pense que não se deve sonhar com um mundo melhor nem lutar por ele, mas lamentar o modo como as coisas são me parece um tanto inútil no momento. Imaginá-las diferentes, no entanto, não, nunca! Só através da imaginação é possível conceber um mundo diferente, mais justo e igual, portanto imaginemos! Mas que possamos também moldá-lo no âmbito material, não apenas em paisagens oníricas.
E aqui, acredito que é um bom começo pensar, sem confundir comunidade com homogeneidade, tanto nas necessidades dos outros quanto nas próprias; e é nisso, penso, que não tenho me saído muito bem. No entanto, vejam bem, questionei-me no início sobre a utilidade das coisas que faço, uma delas sendo a leitura; sem ela, talvez esta reflexão não existiria, quem sabe menos ainda o sentimento que cresce de que a preservação da individualidade não deve sobrepor-se à integração com a comunidade.
O passo é lento, mas é um passo. Como disse alguém que infelizmente conheci no último dia em que o vi antes que partisse de Santa Maria para viver em outra cidade: tarde é tarde, nunca é nunca.

domingo, 8 de dezembro de 2019

Cálculos

Estava aqui refletindo. Tenho 28 anos, completados em julho deste ano de 2019 que em alguns dias finda.
28 é um marco estranho no caminho. É como uma quinta-feira. Você já passou do meio da semana, mas ainda não chegou no fim. Da mesma forma que você já passou dos 25, mas ainda faltam dois anos para os 30. O que será que isso significa? Podem ser apenas números. Mas pode ser que os números tenham um significado.
Afinal, os números são o que usamos para contar as coisas, estabelecer medidas. As medidas de tempo representam ciclos. Cada ano tem quatro estações: primavera, verão, outono e inverno. Depois, elas se repetem: primavera, verão, outono e inverno novamente. Mas alguns verões são mais chuvosos; outros mais quentes. Às vezes, a época da colheita é bastante frutífera; outras vezes, não. Em certo sentido, os ciclos se repetem; porém, nunca se volta ao mesmo lugar em que se estava.
A cada ano novo que começa, estamos um pouco mais velhos. Pode não parecer ter muita diferença entre o ano que está terminando e o que começa, mas e quando pensamos na diferença entre esse momento e o mesmo período a 5 ou 10 anos atrás?
Um pensamento que me ocorreu é que eu tenho a mesma idade hoje que alguém que nasceu no dia 22 de julho de 1891 tinha em 8 de dezembro de 1919. Mas ter 28 anos naquela época não era o mesmo que ter 28 anos agora. E eu nem estou considerando o lugar.
Escrever textos em um blog pessoal não é uma coisa muito 2019 a se fazer. Não é cool, não é fashion. E eu não tenho nenhum objetivo claro para fazer o que estou fazendo, apenas estou fazendo algo que gosto. Talvez isso tenha alguma coisa a ver com o fato de eu ter nascido no dia 22 de julho de 1991, em Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil. Ou talvez tenha a ver com o fato de esta ser uma tarde de domingo do mês de dezembro de 2019. Um ano muito estranho, como a minha idade.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Calma

Estava há um certo tempo sentado à mesa do escritório, tentando localizar algo que me inquieta. Era uma vontade de alguma coisa que falta, mas não sabia o quê. Passei meus olhos por todos os livros nas estantes da casa, esperando encontrar algo para ler e não consegui. Abri várias janelas de contas em redes sociais e fui descendo a barra de rolagem, encarando sem interesse todas as postagens que se seguiam, sem que nada detivesse minha atenção. Enquanto isso, deixei tocando um álbum aleatório de um artista que fazia tempo pretendia conferir, por algum tipo de intuição de que poderia gostar, mas sem nenhuma pretensão, só para ter uma música de fundo em minha busca. Escolhi um álbum de Tim Bernardes, "Recomeçar".

Minha angústia persistia enquanto não encontrava nada que se parecesse com o que desejo ler no momento, então um som começou a soar em meus ouvidos que fez meu coração bater mais forte e minha mente acalmar. Minha cabeça naturalmente começou a balançar como fosse uma boia à deriva em um mar de ondas sonoras, indo aonde ele a levasse. Foi na faixa chamada "Calma", a três faixas do final do disco, que esse sentimento começou.

Adoro quando estou com a cabeça em outro lugar e algo inesperado, de algum lugar para onde minha consciência não está voltada, de repente me assalta e me toma por inteiro e me faz vibrar o corpo. São coisas como essas que me dão prazer e ficam comigo para sempre: coisas que me trazem sensações; que, mais do que entender racionalmente (ou até mesmo sem que eu de fato seja disso capaz), fazem-se através de uma reação de meus sentidos, como se a compreensão daquilo que a provoca tenha se dado na alma.

Depois disso, me entreguei e interrompi minha busca; nada mais me incomodou até soar a última nota do disco que ouvia.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

2019: uma modesta retrospectiva

Chegando à metade do mês de dezembro de 2019. Amanhã tenho a última prova do semestre. O ano foi muito pesado, talvez tenha sido o ano mais difícil de minha vida em muitos sentidos. Nunca senti tanto pessimismo, nunca senti tanta apatia, nunca tive tanta falta de vontade de fazer coisas na vida. Qualquer coisa, mesmo as que eu gosto de fazer. Minhas obrigações, então... terminar a dissertação de mestrado foi quase um ato de violência contra mim mesmo, tamanha era a vontade de simplesmente deixar para lá.
Não deve ser diferente para todas as pessoas que já passaram por isso antes. De certa forma, é de fato um ato de violência: como na jornada do herói, é um teste, uma morte e uma ressurreição. É uma experiência de chegar ao limite e expandi-lo, encontrar no limiar uma parte de si mesmo que não era conhecida. E, no fim, deu tudo certo.
Mas eu saí desse processo exausto, e a vida não para e eu tenho de encarar o que vem pela frente e parece aterrorizador. Talvez seja somente meu medo de enfrentar desafios cada vez maiores, mais por falta de disposição do que de me sentir incapaz. Eu queria somente descansar. Houve um tempo em que eu nunca queria descansar. Só se vive uma vez; na morte eu teria descanso, eu pensava. Para quê? A vida tem de ser aproveitada. Eu era mais destemido nessa época. Ou mais inconsequente. Ou mais ingênuo. Ou um pouco de todas essas coisas.
Experimentei também nesse ano um sentimento curioso de desejar esse descanso eterno. Não como um pensamento suicida, nada tão mórbido. Mas um sentimento de que talvez a vida seja mais longa do que eu imaginava. A perspectiva de ter muita coisa pela frente sempre foi algo que me animou; esse ano houve momentos em que isso me trouxe desespero e eu achei melhor não pensar nisso, como uma espécie de negação, uma vontade de que tudo passasse logo. Esquisito para alguém que se acabou chorando quando assistiu o filme Click, com Adam Sandler, e que sempre teve fome por viver. Será que isso é sinal de crescimento? De ter de fato chegado à vida adulta? Apesar de tudo, eu ainda me recuso a aceitar que seja assim. Deve ser uma fase, deve ter uma saída, uma outra forma de ver as coisas.
Parece um ano realmente horrível, não?
E, no entanto, hoje à noite eu estava pensando um pouco sobre essas coisas enquanto estudava para a prova de amanhã. E eu senti uma melancolia antecipada, pensando em como as sextas-feiras pela manhã foram legais na companhia de meus colegas e do Prof. Régis, nas aulas de Panorama Histórico e Sócio-cultural das Literaturas de Língua Inglesa (eu demorei o semestre inteiro para decorar o nome da disciplina; na maior parte do tempo eu falava apenas "Parâmetros", ao invés de "Panoramas", o apelido carinhoso da turma para não ter que falar o nome inteiro). Sábado passado teve a última reunião do ano do grupo de estudos sobre quadrinhos. Fazia alguns meses que eu não aparecia nas reuniões, e eu estava sentindo muita falta dos colegas do grupo. Isso me faz lembrar de eventos de que participei.
Fiz menos coisas do que gostaria de ter feito, é verdade; poderia ter ido a mais eventos, escrito mais, trabalhado mais. Na maioria das vezes, a preguiça e o cansaço mental me venceram. Mas também seria injusto dizer que não houve nada de bom. Eu conheci pessoas que se tornaram importantes para mim. E eu me diverti na companhia dessas pessoas, mesmo que por momentos mais breves e mais escassos do que seria possível. Mesmo assim, tenho lembranças desse ano que me fazem sorrir e quase sentir saudade antecipada. E eu não estava esperando por isso.
Faltam ainda alguns dias para o ano acabar, e ainda há coisas por favor, então não vou me despedir ainda. Mas, no apagar das luzes, o sentimento de gratidão começa a aflorar cada dia mais.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Message in a bottle

Faz tempo que não visito o campinho da vó.
Depois que a vó faleceu, a casa de madeira junto ao campinho foi alugada.
O campinho continua no mesmo lugar, em frente à casa dos meus pais, na cidade onde nasci.
Mas eu me mudei.
Quando eu visito meus pais, eu posso olhar para o campinho, mas eu já não caminho mais sobre ele como fazia antes. Na verdade, já fazia muito tempo que eu não caminhava sobre ele, antes de eu me mudar, antes da vó falecer, já nem lembro mais quando foi a última vez... e a última vez provavelmente foi muito depois de já não ser mais um costume.
Eu tinha passado, desde minha adolescência, a andar pelas ruas de Frederico, em vez de no campinho. Chamava menos atenção, eu pensava.

Agora eu estou em um apartamento de um prédio no Calçadão de Santa Maria e eu caminho muito pouco pelas ruas daqui. É estranho, porque aqui meu anonimato é bem maior; mesmo assim, tenho menos coragem de vagar por aí sem rumo.
Não é por medo de me perder, pois talvez me perder é o que eu mais quero, sem necessariamente esperar me encontrar depois. Me perder seria bom. Seria libertador. Seria magnífico andar até cruzar um limiar sem perceber, e sem perceber adentrar um outro plano.
Acho que meu medo é justamente andar e andar e voltar para o mesmo lugar, a mesma existência de sempre. De sempre? Do sempre que eu conheço, pelo menos.

(Eu tinha esquecido da sensação de escrever livremente!, quase sem cuidar o que sai da ponta dos meus dedos até a tela do computador. Será que alguém vai ler? Acho que eu gostaria disso, mas não quero compartilhar, fazer publicidade. Seria agradável se alguém inadvertidamente topasse com esse texto em algum momento, meio sem querer. Mesmo que eu não soubesse disso. Mas eu gostaria de saber. Acho que tem alguma coisa que une duas almas, uma que escreve e uma que lê, mesmo que elas não se encontrem pessoalmente. Ainda assim é um encontro, em algum plano. As palavras que eu agora escreve serão lançadas nessa rede gigantesca, que eu imagino como se fosse uma espécie de éter onde as coisas se espalham, mas onde podem ser encontradas com as palavras certas; e talvez alguém sintonizará esse canal e isso será como se estivéssemos de mãos dadas por alguns instantes.)

(Outra sensação muito legal é olhar o texto na tela sem recuo, sem justificar, sem adequá-lo às normas da ABNT. Dá-me uma alegria perversa ver o texto assim, todo torto. Talvez não seja tão atraente aos olhos, mas só de pensar que não haverá nenhuma censura quanto a isso... sinto um prazer inexplicável. Pode ser algum tipo de loucura, e talvez seja até meio infundada, já que quem sabe nem seja algo tão subversivo assim. Quer dizer, eu poderia propositalmente emprestar muito mais caos à forma desses parágrafos... Mas tem algo ainda mais satisfatório na amenidade dessa subversão. É uma pequena grande alegria. Não sei se isso faz sentido. Mas nem precisa fazer.)

Que tipo de texto é esse, afinal? Eu não sei, mas está sendo bom escrevê-lo, e é justamente o que vim fazer aqui. Eu não sabia quando comecei, por exemplo, que estaria me indagando isso agora. O rumo que tomou foi totalmente inesperado. É mais ou menos como minha cabeça funciona. Mesmo que às vezes eu pare um pouco para pensar em como continuar. Mas como não há uma preocupação com o efeito geral e eu não necessariamente tomo cuidado com o que veio antes... Ah! Cansei desse raciocínio. É por aí, e isso é suficiente.

Eu queria escrever por muito mais tempo, assim como gostaria de andar até me perder de mim e não me encontrar mais. Mas eu preciso suspender a escrita agora, porque a realidade (eu não queria chamar de realidade, porque não é bem isso, mas quero, ou antes preciso, terminar esse parágrafo logo e não me veio outra palavra melhor - atualidade talvez? Mundo material? Alguma coisa assim) me chama e diz que logo será preciso que o jantar esteja pronto. E serei eu a prepará-lo. Portanto, tenho que me despedir.

Presumo que eu deveria concluir com uma retomada do primeiro parágrafo, concatenando tudo o que foi escrito depois para que exista uma coesão na mensagem que está sendo expressa. Mas o que deveria ser feito não me importa. Então, por enquanto, é isso.

terça-feira, 5 de maio de 2015

1991-...



1979. William Patrick Corgan nasceu no ano de 1967, portanto a escolha do ano que dá título à canção provavelmente se deu por ter sido este um ano marcante na vida do artista. Ou talvez seja um ano qualquer do período de sua infância/adolescência, o que por si só já justifica o tom nostálgico da música e do vídeo que a acompanha. Jovens correndo por aí, fazendo pirraça, novos demais para se preocupar com consequências. “Cool kids never have the time”. Sangue fresco correndo nas veias. A vida é curta, quem tem tempo pra ficar parado?
“And I don’t even care to shake this zipper blues”. “Blues”, por si só, já significa melancolia. “Zipper blues” é um tipo mais específico dela: o sentimento que alguém tem ao passar por uma mudança. O termo vem de ter sempre que fechar o casaco (zip up), por nunca conseguir ficar parado no mesmo lugar, estando sempre em movimento, sempre de mudança. A expressão pode ter se originado do caso específico de mudar de residência, mas com certeza ela serve pra designar o sentimento que fica após qualquer tipo de transformação.
E as transformações estão presentes durante toda uma vida humana. As mais significativas podem ser a passagem da infância para a adolescência e desta para a idade adulta. Nestas fases, elas são tão constantes que não dá nem pra “se incomodar em espanar a zipper blues”, pois logo ali em frente haveria outra situação parecida. No meio do caminho de cada um desses períodos, amigos que vão embora porque seus pais foram transferidos no trabalho, ou para estudar em outro lugar; a própria partida da cidade natal, indo para um lugar desconhecido, distanciando-se da querida turma de todas as horas. Mudanças escolares, do ensino fundamental para o médio, deste para a faculdade. Há também o distanciamento natural, causado por situações que ocorrem no dia-a-dia, como discussões e brigas, relacionamentos que terminam por motivos quaisquer. Fora as próprias mudanças físicas, os hormônios que florescem, a aparência que se altera. Mas as mudanças não são exclusividade da juventude. Mudanças de emprego, de cidade, de relacionamento, acontecem com pessoas de todas as idades e são sentidas da mesma forma. Talvez a experiência nos ensine a lidar melhor com cada desvio na rota, mas isso não os torna menos difíceis.
Ainda assim, nos acostumamos com a rotina dos dias; o sol nasce e se põe e às vezes nem percebemos. Nos chateamos com tudo o que nos envolve e que nos habituamos a ver todos os dias. Por vezes nos esquecemos do quanto é mutável a vida, e pensamos que as coisas nunca vão mudar. “We were sure we’d never see an end to it all”. Achamos que tudo o que temos é nosso pra sempre, took for granted. Não nos preocupamos em preservar o agora, pois desejamos o que ainda não temos, queremos mais. Pensamos no futuro, quando o presente talvez seja a melhor coisa que teremos algum dia na vida. Ou então, o contrário: deixamo-nos levar por lembranças, por momentos dourados que ficaram registrados na memória. Esquecemos que também nesses tempos idos vivíamos uma rotina às vezes chata e cansativa e só pensávamos em crescer e conquistar independência, lembrando apenas dos instantes mágicos, da maravilha de não ter grandes responsabilidades. Mais uma vez não nos lembramos que a vida acontece a cada instante, e que o agora também pode nos presentear com momentos que, por sua vez, se cristalizarão em nossas mentes.
Claro que é legal relembrar os bons momentos, revivê-los em nosso pensamento; é ótimo ter vivido coisas tão legais que mais tarde nos emocionamos ao recordar. Deixar o passado para trás é inútil, até porque ele tem muito a nos ensinar. Olhar para a frente também é importante, afinal algum planejamento é essencial para atingir certos anseios e metas. Mas melhor do que tudo isto é saber valorizar, saber aproveitar com intensidade cada segundo que se vive neste exato momento, se entregar a isto. Ter consciência de que todas as coisas que hoje nos rodeiam podem um dia desaparecer, sem nem percebermos, e saber que provavelmente um dia sentiremos falta dessas coisas, como sentimos saudade de tantas outras que já passaram. E, enxergando tudo isso claramente, saber o quanto se é feliz AGORA.
Se tivesse o poder de me movimentar pelo tempo, não mexeria em nada, não trocaria nada de lugar, não mudaria a ordem dos acontecimentos. E não escolheria estar em qualquer outro instante que não o presente.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Sinestesia



Caminho, e assim vou seguindo, por um campo aberto, grama alta, observando as ondulações que o vento causa no terreno. É como se pudesse vê-lo. Não é forte, nem enregelante. Apenas sopra de leve, como uma brisa suave, convidando a voar alto, seguindo o seu embalo. Imaginando que posso alçar voo, corro.
Deparo-me com um muro. Não um de concreto, que estragasse a cena bucólica. Mas um alto e vasto muro de árvores, uma imensidão verde. Encaro o que parece ser uma floresta muito densa. Dou o próximo passo. Rompo a barreira. Entro.
Ali dentro, o vento parece não chegar, apenas vejo as copas das árvores dançando ao seu movimento, mas eu mesmo não o sinto. Até a luz do sol se faz rara. Tudo que vejo são nesgas de luz caindo como cortinas por toda a parte, mas as sombras ainda dominam o lugar. Ouço os pássaros cantarem mais acima, no alto das árvores. Também escuto o som de um rio correndo mais adiante, ao longe. A mistura de tudo isso, o canto dos pássaros, o balanço das árvores, o som do rio, é impressionante, quase música. Quase não; é.
Embarco no ritmo e imito o movimento das folhas, faço coro com os pássaros, construindo as mais diversas harmonias, faço soar de uma flauta notas de acompanhamento para o rio, em consonância.

De repente, sou parte da mistura. E assim, nossa banda segue, tocando os sons do verde das plantas, do frescor da água, da sensação do vento e dos raios do sol.